Nos 69 anos do lançamento<br>das bombas atómicas<br>– Hiroxima nunca mais!

Gustavo Carneiro

Em Agosto de 1945, pela pri­meira vez na His­tória (e, até ao mo­mento, única), foram uti­li­zadas bombas ató­micas num con­flito mi­litar. Em Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui, cen­tenas de mi­lhares de pes­soas, civis na sua imensa mai­oria, foram ex­ter­mi­nadas pela mais po­tente arma al­guma vez cons­truída e ex­pe­ri­men­tada: umas nos se­gundos que se se­guiram às ex­plo­sões; ou­tras nos dias, meses e anos se­guintes, ví­timas da ra­di­ação.

Os que es­ca­param à morte vi­veram vidas de so­fri­mento, mar­cadas pelas per­ma­nentes do­enças e dra­má­ticas me­mó­rias. Eram – e são ainda! – os «hi­ba­kushas», os so­bre­vi­ventes. É sobre eles o poema de 1954 de Vi­ni­cius de Mo­raes, «Rosa de Hi­roshima», imor­ta­li­zado pelos Secos & Mo­lhados e pelo seu mais co­nhe­cido ele­mento, Ney Ma­tro­grosso: «Pensem nas cri­anças/ Mudas te­le­pá­ticas./ Pensem nas me­ninas/ Cegas ine­xatas./ Pensem nas mu­lheres/ Rotas al­te­radas./ Pensem nas fe­ridas/ Como rosas cá­lidas./ Mas, oh, não se es­queçam/ Da rosa da rosa./ Da rosa de Hi­roshima/ A rosa he­re­di­tária./ A rosa ra­di­o­a­tiva/ Es­tú­pida e in­vá­lida./ A rosa com cir­rose/ A anti-rosa atô­mica./ Sem cor sem per­fume/ Sem rosa sem nada.»

Também os poucos edi­fí­cios que fi­caram de pé nas duas ci­dades ja­po­nesas per­ma­necem como tes­te­mu­nhos do crime – para que não se re­pita! É o caso da «Cú­pula Gen­baku», no co­ração de Hi­ro­xima, clas­si­fi­cado como «Pa­tri­mónio Mun­dial» pela UNESCO em 1996. Fun­ciona hoje como Me­mo­rial da Paz da­quela ci­dade ja­po­nesa.

Mitos e re­a­li­dades

Muito se disse e se es­creveu sobre os bom­bar­de­a­mentos nu­cle­ares de Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui. A versão «ofi­cial», di­fun­dida pela po­de­rosa má­quina de pro­pa­ganda dos Es­tados Unidos da Amé­rica, jus­ti­fica o re­curso à bomba ató­mica com a ne­ces­si­dade de forçar a ren­dição ja­po­nesa e, dessa forma, evitar «cen­tenas de mi­lhares de mortes» norte-ame­ri­canas. Trata-se, porém, de uma tese que não re­siste à mais leve con­fron­tação e que passa por cima de uma questão es­sen­cial: será tudo ad­mis­sível, mesmo em tempo de guerra?

A res­posta a esta questão, que devia ser evi­dente, deu-a o fí­sico de origem hún­gara Leo Szi­lard, um dos «pais» da bomba ató­mica norte-ame­ri­cana e tenaz opo­sitor ao bom­bar­de­a­mento de Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui: dizia ele que se ti­vessem sido os ale­mães a uti­lizar estas armas sobre ci­dades, tal teria sido con­si­de­rado um crime de guerra e os seus res­pon­sá­veis te­riam sido con­de­nados à morte no Tri­bunal de Nu­rem­berga.

Mesmo ig­no­rando esta questão fun­da­mental, nada – do ponto de vista me­ra­mente mi­litar – jus­ti­fica a uti­li­zação destas bombas sobre as ci­dades ja­po­nesas. Em pri­meiro lugar, porque Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui não ti­nham um evi­dente in­te­resse mi­litar, sendo a sua po­pu­lação quase ex­clu­si­va­mente civil. O pró­prio Ei­se­nhower, mais tarde pre­si­dente dos EUA, e o ge­neral Dou­glas McArthur (que de­fendeu a uti­li­zação da bomba ató­mica mais tarde, sobre a URSS, a China e a Co­reia) ne­garam por di­versas vezes a «ne­ces­si­dade mi­litar» dos bom­bar­de­a­mentos.

Se o efeito mi­litar era «dis­cu­tível», as con­sequên­cias po­lí­ticas destes bom­bar­de­a­mentos eram mais am­bi­ci­osas, vi­sando mais do que o Japão (cuja ren­dição a curto prazo era ine­vi­tável) a União So­vié­tica e o ir­re­pri­mível mo­vi­mento de li­ber­tação na­ci­onal e so­cial que então se vivia na Eu­ropa e também na Ásia. Não será cer­ta­mente um acaso o facto de os EUA terem re­cor­rido à arma ató­mica no pre­ciso mo­mento em que a União So­vié­tica tinha já en­trado em guerra com o Japão. E com as­si­na­lá­veis su­cessos, diga-se.

Mas é so­bre­tudo a acção dos EUA no pós-guerra que com­prova a ideia de que o bom­bar­de­a­mento ató­mico de Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui foi, mais do que um dos úl­timos actos da Se­gunda Guerra Mun­dial, a pri­meira grande acção da cha­mada «Guerra Fria».

Der­rotar o im­pe­ri­a­lismo

Nos anos que se se­guiram ao final do maior con­flito mi­litar da his­tória da Hu­ma­ni­dade, que ceifou a vida a 50 mi­lhões de pes­soas, a po­lí­tica ex­terna dos EUA foi par­ti­cu­lar­mente agres­siva, nor­teada pelo ob­jec­tivo de do­mínio pla­ne­tário. No seu ca­minho es­tavam, então, a União So­vié­tica, os países que se li­ber­tavam do im­pe­ri­a­lismo e a luta dos povos pela paz, o pro­gresso e a so­be­rania.

O cerco mi­litar em redor da Eu­ropa e da Ásia (no que então foi de­sig­nado como um «anel de fogo» em torno da URSS), a su­jeição eco­nó­mica dos países da Eu­ropa Oci­dental através do Plano Marshall, a in­ter­venção mi­litar na Grécia e a guerra da Co­reia com­provam a na­tu­reza pre­da­dora da po­lí­tica do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano. O seu prin­cipal trunfo – man­tido até ao início da dé­cada de 50 – era o mo­no­pólio nu­clear.

Tal como nesses anos, em que a luta dos povos pela paz travou os ím­petos mais agres­sivos do im­pe­ri­a­lismo, também hoje há que in­ten­si­ficar o com­bate pela paz, em de­fesa da so­be­rania de países e povos: a in­ge­rência dos EUA e da UE na Ucrânia e a cons­tante pro­vo­cação à Rússia, o cerco mi­litar a este país e à China, o apoio in­con­di­ci­onal a Is­rael na sua sanha contra o povo da Pa­les­tina, o de­sen­vol­vi­mento de novas e mais po­de­rosas armas e a ad­missão ex­plí­cita de uti­li­zação de armas nu­cle­ares num pri­meiro ataque mostra que o im­pe­ri­a­lismo está dis­posto a tudo. Cabe aos co­mu­nistas, aos pro­gres­sistas e aos povos do Mundo der­rotá-lo!

 



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